Eis-me sozinho na terra, sem
irmão, parente próximo, amigo, ou companhia a não ser eu próprio. O mais
sociável e o mais afectuoso dos homens foi proscrito da sociedade por um acordo
unânime. No requinte do seu ódio, procuraram o tormento que fosse mais cruel
para a minha alma sensível e quebraram violentamente todos os laços que a eles
me ligavam. Eu teria amado os homens apesar do que são. Ao deixarem de o ser
mais não fizeram do que furtar-se ao meu afecto. Ei-los, portanto,
estrangeiros, desconhecidos, em suma, inexistentes para mim, já que assim o
quiseram. Mas eu, desligado deles e de tudo, o que sou afinal? É o que me falta
descobrir. Infelizmente, antes dessa descoberta, tenho de analisar a minha
situação. É uma ideia pela qual tenho forçosamente de passar para, partindo
deles, chegar a mim.
Há quinze anos ou mais que me
encontro nesta estranha situação, e ainda me parece um sonho. Continuo a pensar
que uma indigestão me atormenta, que tenho sonhos maus durante o sono e que vou
acordar aliviado do meu sofrimento, entre os meus amigos. Sim, sem dar por
isso, devo ter passado da vigília para o sono, ou antes, da vida para a morte.
Afastado, não sei como, da ordem das coisas, vi-me precipitado num caos
incompreensível em que não distingo nada; e quanto mais penso na minha situação
presente, menos posso compreender onde me encontro. (…)
Jean-Jacques Rousseau, Os Devaneios do caminhante Solitário
Sem comentários:
Enviar um comentário