Esta foi uma peça feita para ser representada na corte, 5ª
feira Santa do ano de 1518, patrocinada e dedicada a D. Leonor, irmã do rei D.
Manuel.
Como tema principal, podemos referir a luta entre o bem e o
mal tratada de forma alegórica em que, uma Alma é interpelada alternadamente
por um Anjo e por um Diabo, durante o seu percurso terreno. A Alma representa a
própria alma de um ser humano e as escolhas com que ela se confronta ao longo
da sua vida. Para além destes três protagonistas, existem também outras
personagens, a saber: a Santa Madre Igreja e os seus quatro doutores – S.
Tomás, S. Jerónimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho.
Tal como os peregrinos precisam de estalagens para descansar
durante o seu caminho, as almas necessitam também de abrigo para repousar. É
esta a ideia que Santo Agostinho usa para introduzir a peça
Em seguida, de forma alternada, o Anjo e o Diabo tentam
convencer a Alma qual o melhor caminho a seguir pois, estes defendem caminhos
opostos. Estes diálogos são marcados pelo conceito do que é o bem e o que é o
mal. As ideias de ambos contrapõem-se, levando a uma disputa entre valores como
a aparência e a essência, o material e o espiritual, o terreno e o celestial, o
efémero e o eterno e a perdição e a salvação. Enquanto o Anjo apoia o
sacrifício, a força de vontade e a resistência aos desejos humanos, o Diabo fundamenta-se
na luxúria, nos objectos profanos e na diversão.
Finalmente, o Anjo consegue encaminhar a Alma para a Santa
Madre Igreja, onde se encontram os seus quatro doutores. Estes apresentam-lhe
quatro iguarias, símbolos do martírio e da redenção de Cristo: os açoutes, a
coroa de espinhos, os cravos e o crucifixo. A personagem mostra-se então
arrependida por, num certo período da sua vida, se ter deixado seduzir pelo
Diabo e por todos os bens que ele lhe oferecia.
No final da obra, não encontramos nenhuma referência em
relação ao destino da Alma, sendo assim uma obra com um final aberto. Porém, é
de admitir que ela tenha seguido um caminho celestial pois, a peça tem um
intuito moralista.
Na época em que esta peça foi escrita, século XVI, vivia-se
um clima de grande prosperidade e ostentação e a preocupação pelos bens
materiais era cada vez mais evidente. Pretendendo alertar para a perda destes
valores espirituais e morais, Gil Vicente escreve o Auto da Alma.
Considero uma obra intemporal, podendo associar-se à
sociedade em que vivemos actualmente, que também dá muita importância às aparências
e aos valores materiais.
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